No
inicio de outro ano, e no começo de outro volume de sermões,
desejamos com toda sinceridade expressar uma palavra de exortação:
mas, ah, nesse momento, o pregador é um prisioneiro, e deve falar da
sua cama em vez de fazê-lo desde seu púlpito. Não permitam que as
poucas palavras que um homem enfermo possa expressar lhes cheguem com
um diminuto poder, pois o fuzil disparado por um soldado ferido
dispara a bala com a mesma força. Nosso desejo é falar com palavras
vivas, ou não falar nada. Suplicamos ao Senhor que nos habilite para
sentarmos e compor essas trêmulas frases, que as vistas com Seu
Espírito, para que sejam frases que vão de acordo com Sua própria
mente.
O
vinhateiro intercessor suplicou pela figueira estéril: ― “deixa-a
ainda este ano”, pedindo o prazo de um ano, por assim dizer, a
partir do momento em que falou isso. As árvores e as plantas que dão
fruto têm uma medida natural para suas vidas – evidentemente, um
ano tinha transcorrido quando chegou o tempo de buscar fruto na
figueira, e outro ano começava quando o vinhateiro começou de novo
sua obra de cavar e podar.
Os
homens são seres tão estéreis, que sua produção de frutos não
marca épocas certas, e se faz necessário estabelecer para eles
divisões artificiais de tempo – não parece que havia tido um
período definido para colheita ou para a vindima espirituais, ou se
tivesse, os feixes e os cachos não brotam na sua estação, e por
isso, temos que dizer uns dos outros: ― “esse será o começo
de um novo ano”.
Então,
que assim seja. Congratulemo-nos uns aos outros por ver a alvorada de
“ainda esse ano”,
e oremos juntos para que possamos entrar nele, e continuar nele, e
chegar a sua conclusão, debaixo da perene benção do Senhor a quem
pertence todos os anos.
I.
O começo de um ano novo SUGERE UMA RETROSPECTIVA. Olhemos
resoluta e honestamente. “Ainda este ano” – então houve anos
anteriores de graça. O vinhador não estava consciente pela primeira
vez da falha da figueira, nem o dono da figueira tinha vindo pela
primeira vez buscando figos em vão.
Deus,
que nos dá “ainda esse ano”,
nos tem dado outros anos previamente. Sua paciente misericórdia não
é uma novidade. Sua paciência já foi posta à prova por nossas
provocações. Primeiro, vieram nossos anos juvenis, quando,
inclusive, um pequeno fruto para Deus é peculiarmente agradável a
Ele. Como o passamos? Acumulou-se toda nossa força na casca
silvestre e no cacho deixado como resto? Se for assim, bem podemos
deplorar esse vigor desperdiçado, essa vida mal gasta, esse
assombroso pecado multiplicado. Quem nos viu usar indevidamente
daqueles meses de ouro da juventude, nos proporciona “ainda
esse ano”, e temos de entra nele com um santo zelo, para
que a força e o ardor que nos sobraram não corram os mesmos
caminhos de desperdício como em anos anteriores.
Seguindo
os calcanhares de nossos anos juvenis, vieram os anos correspondentes
a maturidade, quando começamos a forma um lar, e nos convertemos
como uma árvore plantada em seu lugar – também aí o fruto teria
sido precioso. Produzimos algum fruto? Presenteamos o Senhor com um
cesta de frutos de verão: Oferecemos a Ele as primícias de nossa
força? Se o fizemos assim, bem podemos adorar a graça que nos
salvou, tão cedo – mas, se não foi assim, o passado nos
repreende, e, levantando um dedo acusador, nos adverte que não
permitamos que “ainda esse
ano” siga o caminho do resto de nossas vidas.
Aquele
que tiver desperdiçado a juventude e a manhã da madures, dedicou
tempo suficiente à insensatez – o tempo passado deveria lhe bastar
para ter cumprido a vontade da carne: seria um excesso de iniquidade
permitir que ― "ainda
esse ano" seja espezinhado no serviço do pecado.
Muitos
de nós nos encontramos na flor da idade, e os anos que já vivemos
não são poucos. Ainda necessitamos confessar que nossos anos são
comidos pelo gafanhoto e pelo pulgão? Acaso já tivemos que recorrer
a algum centro de reabilitação, e ainda não sabemos aonde vamos?
Somos ainda néscios a idade de quarenta anos? Temos cinquenta, de
acordo ao calendário, no entanto, nos encontramos a grande distância
do critério? Ai, grandioso Deus, que haja homens que passem essa
idade e que ainda não tenham conhecimento! Não são salvos aos
sessenta, não são regenerados aos setenta, não foram despertados
aos oitenta, não são renovados aos noventa! Todas e cada uma dessas
considerações são muito alarmantes. No entanto, porventura, cada
uma cairá em ouvidos que não poderão deixar de formigar, ainda que
as ouçam como se não as tivessem escutado. A continuidade no mal
gera dureza de coração, e quando a alma esteve dormindo por largo
tempo na indiferença, é difícil despertá-la do estupor mortal.
O
som das palavras ―"ainda
esse ano", nos faz lembrar, a alguns de nós, dos
anos de grande misericórdia, brilhantes e resplandecentes de
deleite. Esses anos foram colocados aos pés do Senhor? Foram
comparáveis às campainhas de prata dos cavalos: foram de ―
“Santidade a Jeová”? Se não foram, como responderemos
por eles se “ainda esse ano”
deveriam ser musicais com jubilosa misericórdia, e, no entanto, os
desperdiçamos nos caminhos do abandono?
As
mesmas palavras nos recordam, a alguns de nós, nossos anos de
severa aflição, quando, verdadeiramente cavavam em nossa volta
e nos adubavam. Como passaram esses anos? Deus estava fazendo grandes
coisas para conosco, exercendo uma lavoura cuidadosa e custosa,
cuidando de nós com um cuidado sumamente grande e sábio. Produzimos
de acordo com o benefício recebido? Levantamo-nos da cama sendo mais
pacientes e mansos, odiados do mundo, e unicamente unidos a Cristo?
Produzimos cachos de fruto para recompensar o vinhador da vinha?
Não
recusemos essas perguntas de autoexame, pois poderá ser que isso
resulte ser outro desses anos de cativeiro, outra estação de forno
e de crisol. Que o Senhor nos conceda que a tribulação futura nos
livre de mais palha que qualquer doutro desses anos anteriores, e
deixe o trigo mais limpo e em melhores condições.
O
novo ano também nos lembra das oportunidades de utilidade,
que chegaram e se foram, e de resoluções não cumpridas, que
floresceram só para murcharem – será “ainda
esse ano” como esses que transcorreram antes? Não
poderíamos esperar que a graça avançasse sobre a graça já ganha,
e não deveríamos buscar poder para transformar nossas enfermas
promessas em robusta ação?
Olhando
o passado, lamentamos as sandices pela quais não queríamos ser
mantidos voluntariamente cativos “ainda
esse ano”, e adoramos a misericórdia perdoadora, a
providencia preservadora, a liberalidade ilimitada e o amor divino,
dos quais esperamos ser participantes “ainda
esse ano”.
II.
Se o pregador pudesse pensar com liberdade, poderia navegar no texto
com prazer em muitas direções, porem, ele está debilitado, e por
isso deve deixar-se ir com a corrente que leva a segunda
consideração: o texto MENCIONA UMA MISERICÓRDIA. Foi devido
a uma grande benignidade, que fosse permitido à arvore que
inutilizava a terra, permanecer ainda outro ano, e a vida prolongada
sempre há de ser considerada uma benção da misericórdia Veremos
“ainda esse ano”
como uma dádiva da graça infinita. É mal falar como se a vida não
nos importasse, e considerar nossa estada aqui como um mal ou um
castigo – estamos aqui “ainda
esse ano” como resultado das intercessões do amor, e em
cumprimento dos desígnios do amor.
O
homem malvado deveria considerar que a paciência do Senhor aponta
para sua salvação, e deveria permitir que as cordas de amor o
atassem a ela. Oh, que o Espírito Santo fizera que o blasfemo, o
quebrantador do dia do senhor, e o viciado ostentador sentissem que
coisa admirável é que suas vidas sejam prolongadas “ainda
esse ano”! Por acaso lhes é concedida vida para que
amaldiçoem, e corram desenfreados e desafiem seu Criador? Esse
deveria ser o único fruto da paciente misericórdia? Aquele que
deixa as coisas para mais tarde e que tem deixado o mensageiro do céu
com suas demoras e meias promessas, não deveria maravilhar-se de que
lhe seja permitido ver “ainda
esse ano”? Como é que o Senhor foi indulgente com ele,
e há tolerado suas vaciladas e titubeios? Esse ano de graça será
mal gasto da mesma forma? As impressões passageiras, as precipitadas
resoluções e as prontas apostasias, terão de ser isso a mesma
história trilhada que se repete uma e outra vez? A consciência
assustada, a tirana paixão, a emoção reprimida! Serão esses aos
sinais de “ainda esse ano”?
Que Deus não queria que nenhum de nós duvide ou procrastine ao
longo de “ainda esse ano”.
A
piedade infinita detém a lança da justiça – será ela insultada
pela repetição dos pecados que provocaram que se levantasse o
instrumento da ira? O que poderia ser mais atemorizante para o
coração da bondade que a indecisão? Bem faz o profeta do Senhor se
colocar impaciente e clamar: Até quando coxeareis entre dois
pensamentos? (1Reis 18:21) Deus pode muito bem exigir uma decisão
e exigir uma resposta imediata.
Oh
alma indecisa, oscilará muito tempo ainda entre o céu e o inferno,
e atuará como se fosse difícil decidir entre a escravidão de
Satanás e a liberdade do lar de amor do Grandioso Pai? “Ainda
esse ano” se divertirá no desafio da justiça e
perverterá a generosidade da misericórdia, convertendo ela em uma
licença para uma maior rebelião? “Ainda
esse ano” será o amor divino convertido em uma ocasião
para um continuo pecado? Oh, não atue dessa forma vil, de maneira
tão adversa a todo instinto nobre, de maneira tão injuriosa para
seus próprios e melhores interesses.
O
crente é conservado fora do céu “ainda
esse ano” em amor, e não na ira. Existem alguns por
cuja causa é necessário que habite na carne, alguns que serão
ajudados por ele em seu caminho até o céu, e outros que serão
conduzidos aos pés do Redentor por sua instrução. O céu de muitos
santos ainda não está preparado para eles, porque seus companheiros
mais próximos não chegaram ainda, e seus filhos espirituais não se
reuniram na glória em número suficiente, pata dar-lhes uma completa
bem-vinda celestial: terão de esperar “ainda
esse ano” para que seu repouso seja mais glorioso, e
para que os feixes que eles levarão com eles possam
proporcionar-lhes um gozo maior.
Verdadeiramente,
por causa das almas, pelo deleite de glorificar nosso Senhor, e pelo
incremento de joias de nossa coroa, podemos estar contentes de
esperar aqui embaixo “ainda
esse ano”. Esse é um campo muito vasto, porém não
podemos demorarmos nele, pois nosso espaço é reduzido, e nossa
força é ainda menor.
III.
Nossas últimas palavras frágeis lhes recordarão que a expressão
“ainda esse ano”
IMPLICA EM UM LIMITE.
O vinhador não pediu uma suspensão da sentença maior que um ano.
Se labor de cavar e adubar não mostrassem então ser eficazes, não
intercederia mais, e a arvore deveria cair.
Mesmo
quando Jesus é o intercessor, a solicitação de misericórdia tem
seus limites e seus tempos. Não é para sempre que seremos deixados
sós, e que nos seja permitido inutilizar a terra – se não nos
arrependermos, devemos perecer – se não queremos ser beneficiados
pela enxada, devemos cair pelo golpe do machado.
Virá
um último ano a cada um de nós: portanto, que cada um diga a si
mesmo: esse é meu último ano? Se fosse o último ano para o
pregador, cingiria seus lombos para entregar a mensagem do Senhor com
toda sua alma e pedir a seus semelhantes que sejam reconciliados com
Deus.
Querido
amigo, “ainda esse ano”
será seu último ano? Está preparado para ver que a cortina se
levantar revelando a eternidade? Está preparado para ouvir o grito
da meia noite, e entrar na ceia das Bodas? O juízo e tudo o que se
seguir são, de forma certíssima, a herança de todo homem. Benditos
aqueles que pela fé em Jesus são capazes de enfrentar o tribunal de
Deus sem pensamento de terror.
Se
vivêssemos para ser contatos entre os habitantes mais velhos, ainda
assim ao fim devemos partir: tem que haver um fim, e a voz deve ser
ouvida: “Assim diz o Senhor, morreras esse ano”. Tantos se
foram antes que nós, e cada hora estão voando, que ninguém deveria
de nenhum outro memento mori (“recorda que há de
morrer”), e , no entanto, o homem está tão interessado em
esquecer sua própria mortalidade, e mediante isso, perder suas
esperanças da bem aventurança, que não podemos colocar ela muito
longe dos olhos de nossa mente. Oh homem mortal, reflita!
Prepare-se
para vir ao encontro de teu Deus – pois deves encontrar-se com Ele.
Busque ao Salvador, sim, busque-lhe antes que outro sol se oculte
para seu descanso.
Mais
uma vez, “ainda esse ano”
- e poderá ser só por esse ano – a cruz é levantada como um
farol do mundo, a única luz à que nenhum olho mira em vão. Oh, que
milhões de pessoas olhassem para esse local e vivessem. O Senhor
pronto virá uma segunda vez, e então o resplendor de Seu trono
ocupará o lugar do ligeiro esplendor de Sua cruz: o Juiz será visto
no lugar do Redentor. Agora Ele salva, porem naquele momento Ele
destruirá. Ouçamos Sua voz nesse momento. Ele tem posto um limite
de graça. Creiamos em Jesus nesse dia, vendo que poderia ser nosso
último dia. Essas são as súplicas de alguém que agora encosta-se
a seu travesseiro, absorto na debilidade. Ouça-as por causa de suas
próprias almas e vivam.
Traduzido
do espanhol, do sermão "Todavía Este Año" traduzido por
Allan Román, com autorização deste para português pelo Projeto.
Todo direito de tradução protegido por lei
internacional
de domínio público — Sermão no 1415A — Volume 25
Tradução:
Armando Marcos Pinto
Disponibilizado
pelo Projeto Spurgeon
Pregando
a Cristo Crucificado. Projeto de tradução de sermões,
devocionais
e livros do pregador batista reformado Charles Haddon Spurgeon
(1834-1892) para
glória de Deus em Cristo Jesus, pelo poder do
Espírito Santo, para edificação da Igreja e
salvação e
conversão de incrédulos de seus pecados. Ore para que o Senhor
avence essa obra.
Ore
pelos tradutores, ore por Allan Román; Acesse em: